quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Remada à Ilha do Combu


      A ilha do Combu é vizinha da cidade de Belém, Pará, da qual é separada pelo curso inferior do Rio Guamá, próximo à foz. Ela é famosa por seu açaí, tido como um dos melhores do Pará e, portanto, do mundo. Além de seus muitos açaizeiros, a ilha possui igapó (floresta inundável), e o rio Guamá, como todos os do nordeste do Pará, sofre forte influência das macro-marés da costa paraense, apresentando amplitudes de maré (diferença entre o nível d´água na preamar e na baixa-mar) de mais de 2 metros. A ilha também possui vários "furos", canais, normalmente estreitos, que comunicam o rio Guamá a si mesmo, ao braço do rio que contorna a ilha pelo outro lado. Antes da abolição da escravatura, os negros fugidos costumavam morar escondidos nesses furos. Até hoje, o mais remoto e mais difícil de encontrar desses furos se chama justamente "Furo dos Escravos". No furos, as residências-palafitas se distribuem tão somente ao longo das duas margens, conferindo ao furo, assim, o caráter análogo ao de uma rua. Dizem as más línguas, que também muitos bandidos de Belém gostam de se esconder temporariamente da polícia nesses furos ... 


Mapa geral


      Nos anos recentes a ilha do Combu tem se tornado cada vez mais frequentada pelos belenenses por causa dos restaurantes regionais que ali existem em número cada vez maior. Tudo começou com o mais antigo e famoso deles, conhecido pelo nome peculiar de "Saldosa Maloca". Isso mesmo, com "l" em vez de "u"! No primeiro domingo após nossa chegada a Belém, resolvemos atravessar o rio Guamá em nosso caiaque oceânico duplo, o "Marajó", para conferir o local. Uma vez que, nos domingos, os restaurantes regionais costumam lotar, e o atendimento ficar lento demais, resolvemos chegar cedo. Partimos às 9h00 da prainha de um estaleiro particular da Estrada Nova, a avenida (imunda!) que costeia o rio desde a foz até o campus da Universidade Federal do pará (UFPa), onde fiz minha graduação em engenharia eletrônica, antes de vir morar em Porto Alegre, RS, em julho de 1980 (e onde resido até hoje). 


Local de partida
      A maré estava perfeita para tal, bem no início da enchente, que empurrava a água rio acima de maneira ainda fraca. Quando a enchente está bem adiantada, no meio do rio (que tem cerca de 1,5 km de largura) costumam se formar ondas estacionárias que certamente iriam preocupar, e muito!, minha companheira de barco e de vida, Maria Helena. Inicialmente costeamos rio acima, passando pela Marina Pública de Belém (que foi sede do antigo Yatch Clube de Belém). mai ou menos em frente ao furo do Combu, começamos a travessia para o outro lado. 


Subindo o Guamá
Atravessando o Guamá para a ilha do Combu.Os
restaurantes regionais são
 vistos do outro lado.

      
      O vento estava fraco, a correnteza também e o dia estava simplesmente lindo. Em 15 minutos estávamos do outro lado, exatamente em frente do trapiche de um grande restaurante, o "Combu da Amazônia". Viramos a bombordo e subimos  o rio um pouco mais, indo até em frente da "Saldosa Maloca", já depois da boca do furo do Combu. 



Trajeto de ida (4,9 km)

      Voltamos e entramos uns 500 metros no furo, local muito interessante, mas resolvemos voltar logo por causa da correnteza e do vento, que nos empurravam rapidamente furo adentro. Seria muito cansativo voltar depois.


Furo do Combu




Saindo do furo do Combu


      Resolvemos almoçar mesmo no "Combu da Amazônia", bem maior do que a "Saldosa Maloca". O restaurante estava praticamente vazio ao chegarmos. Comecei logo a amarrar o Marajó, pois a maré subia rapidamente, tratando de amarrá-lo pelas duas extremidades para que não ficasse batendo em pilastras de madeira por conta do vento e das marolas que, eu sabia, seriam produzidas por lanchas e jetskies que chegariam inevitavelmente mais tarde. 




      Tudo pronto, escolhemos um local coberto com uma bela vista para a orla de Belém. Fomos saudados por um vento maravilhoso que nos fez esquecer por algumas horas do calor de Belém. parece que estávamos numa praia pelo vento que havia, soprando constantemente rio acima. O restaurante é muito bonito e limpo, até os sanitários estavam impecavelmente limpos àquela hora. Também é muito grande, com vários ambientes, cobertos e descobertos, um deck enorme dotado de chuveiro para os usuários, e uma trilha suspensa de uns 500 metros de extensão que leva a um passeio pela matas de igapó e de terra firme que existem por trás do restaurante. A trilha passa por dois belos quiosques de madeira cobertos de palha onde se pode ficar conversando o tirante uma soneca numa rede. Só precisa passar um repelente de insetos, claro, se não .... Pedimos logo uma cerveja bem gelada, e o almoço: pescada amarela ao leite de coco.


                   

                          

      
       

      Uma atração à parte do restaurante é um deck baixo situado à frente do restaurante propriamente dito e denominado sugestivamente "Bar Molhado". Isso porque, à medida que a maré vai subindo, o deck é cada vez mais inundado pelas águas, que chegam a ultrapassar o nível das mesas. Ninguém sai do lugar enquanto isso, pois a graça está justamente em saborear petiscos e bebidas, conversar, brincar ou namorar dentro da água, tomando um banho. E que banho!, pois a temperatura da água é simplesmente perfeita.

O deck inferior é o Bar Molhado. Início da enchente.
Bar Molhado com o piso já coberto pela água.

Curtição na prea-mar




Belém ao fundo

Gado proveniente da ilha do Marajó

      Por volta do meio-dia o restaurante já estava bastante cheio, e nosso almoço chegando. Uma delícia, não deixou nada a dever às melhores expectativas. O Pará é mesmo maravilhoso para se saborear um peixe. Além da profusão de espécies (a bacia amazônica possui mais espécies de peixe do todo o oceano Atlântico), o que faz mesmo muita diferença é o modo de preparar, especialmente no que se refere aos temperos: a deliciosa pimenta de cheiro, o tucupi, o coentro, a alfavaca (manjericão brasileiro), a chicórea ... Me desculpem os outros brasileiros, mas, com a possível exceção do estado do Amazonas, o Pará tem o melhor peixe do Brasil, é imbatível! E de sobremesa, pedimos uma espécie de cassata de cupuaçu, deliciosa.

      Após a comilança, precisávamos fazer hora a fim de esperar que a enchente da maré terminasse e começasse a vazante. Isso tornaria mais tranquila a travessia de volta para Belém. Não foi difícil, apenas pegamos a trilha suspensa e ocupamos um dos quiosques, deitando-nos nos bancos compridos para conversar enquanto caia uma chuva fraca. Por volta das 16h00, começamos a travessia de volta. Foi uma remada de domingo e tanto!

Atravessando de volta para Belém
      Confira o vídeo  sobre o passeio, editado pela Caboka Jurema, em Remada à Ilha do Combu